26 de outubro de 2009

des_locamentos | Por Roseli Hoffmann Schmitt


No contexto artístico social-histórico das primeiras décadas do século XXI verificamos um bombardeamento de imagens que se movem dentro de uma densa rede de mercado e sistemas como galerias, museus, feiras de arte, bienais e as dinâmicas dos colecionadores.

A arte mergulha em experimentações e excessos, numa condição de estranhamento e instabilidade que desnorteia e intriga - provoca. Os artistas incorporam e comentam a vida em suas grandezas e pequenezas, em suas potencialidades de estranhamento e em suas banalidades. A pintura não morreu tão pouco a escultura desapareceu. Juntam-se, a elas, as instalações, objetos, performances, textos, vídeos, internet e um sofisticado sistema de suportes e possibilidades matéricas.

Artistas contemporâneos buscam sentido. Um sentido que pode ser alicerçado nas preocupações e apreensões da realidade, nem sempre deslocada, mas locada em um tempo e espaço próprio e ao mesmo tempo universal.

Daiana cria fábulas. Suas obras combinam o desenho, a fotografia, a plotagem, as instalações. A obra provoca o estranhamento, tal como em “Alice no País das Maravilhas”, gerando um clima de mistério.

Liberdade, ausência e solidão do mundo pós-moderno convivem com o mesmo espaço com um lacônico cenário de contos de fadas em que o cidadão do mundo viaja por continentes e culturas diversas. Os desenhos sobem pelas paredes, entrelaçam cantos e tetos com as vozes roucas do mundo. Agigantam-se e abafam o silencio do não dito, do oprimido, da violência. É o cântico desesperado do mundo, das muitas vozes, dos muitos povos. Fragmentação e circulariade da Alice – nas grandezas e nas pequenezas.

As etiquetas plotadas no chão formam uma cobertura poética de significância simbólica, beirando os limites do mundo global e da inexistência de identidade e particularidade. Forma um tapete de partículas efêmeras e de memórias pessoais e, ao mesmo tempo, globais. Traçam o itinerário do tempo. Marcam topografias de percursos aleatórios.

Nas mãos da artista, objetos e elementos banais, como as etiquetas de roupas, tão esquecidos e surrados com o tempo de uso, ou não, formam um microcosmos de uma vida em transito. A artista realiza operações mentais que anunciam verdades profundas. Cria uma trama exercícios de subjetividade que se iniciam no ambiente domestico e dele ecoam para uma torre de babel de línguas e culturas. Na somatória das vozes, um clamor de aconchego busca o significado mais amplo de nossa existência - a transitoriedade no mundo.

Memória emprestada de fragmentos imaginários. Retalhos de banalidades que envolvem a etiqueta não só de vestimentas, mas de pessoas. Identidades cravadas no chão onde cada qual pisa. Aqui eu fiz, aqui eu andei, aqui está meu vestígio, quase apagado no tempo, mas feito no mundo, no Brasil, na China, na materialidade e no tecido da voz.

As implicações da arte contemporânea pelas questões do corpo são complexas. Ligam-se ao contexto do final do século XXI, da globalização ao anonimato, aliada a um culto ao corpo que permitem transformações físicas, demandando uma nova e radical fisicalidade.

Emerge, desse contexto sócio-histórico um corpo pós-moderno que não mais se representa. Ele orquestra um jogo multifacetado de conteúdos, manipula materialidades e emoções e, escapa de suas conexões com a realidade, assume contornos rarefeitos, etéreos, artificiais e efêmeros.
Na construção desse jogo de sentidos, Aline apropria-se das possibilidades de representação do corpo para expressar a sua arte.

O corpo que a artista apresenta passa a materializar comentários sobre sexo, morte, religião, vida, decadência, espiritualidade, individualidade, massificação. Passa por um ilimitado campo de experimentações autobiográficas atemporais e universais.

A memória corporal torna-se um valioso bem, de imensurável valor afetivo. A artista desnuda e oferece ao fruidor uma cumplicidade e intimidade de quem abre um diário.
A rigidez da forma do corpo e da fisionomia gélida e comum do rosto instaura a sua própria ausência. O corpo desmaterializa o lugar de sua fisicalidade e intimidade enquanto corpo físico e orgânico e transforma-o em um corpo de simulacro.

A artista corta a materialidade que reveste o corpo (o vestido) e deixa vestígios, marcando territórios e tempos. No vídeo, usa uma fala pragmática de imagens, saindo do espaço individual e temporal para abarcar a universalidade virtual e simbólica.

A ausência do corpo – corpo no vestido, o corpo sem vestido, o corpo sem rosto, o rosto de todos - a cadeira sem corpo, o corte da tesoura, a tesoura no vestido, o tecido do corpo, o corpo de todos - de ontem, anteontem, do hoje, do amanhã. A vida de todos, no chão, a vida toda.
No nosso mundo urbano contemporâneo as coisas não se pretendem representar ou serem representadas, representando verdades externas a si mesmas. No mundo confuso do nosso dia-a-dia, onde as coisas acontecem numa velocidade superior à capacidade humana de apreensão, as aparências simplesmente são.

Charles articula as possibilidades do real no irreal. A questão da identidade é perpassada por uma sensação de impossibilidade e fugacidade.

O artista cria instalações que apresentam a dualidade como tema, a partir dos efeitos de luz e sombra, do deslocamento do real e do irreal. Com o uso da luz, o artista cria um sistema em que as coisas se apresentam como irônicos Trompe l´oeils. Assim, a bicicleta suspensa no espaço, e por isso mesma matéria de desfrute e não de uso, vê-se projetada na altura do solo para ser pedalada, revestida de múltiplas cores.

E o que aparece estranho se apresenta, na verdade, como a concepção mais possível, verdadeira e palpável da materialidade. As tensões das coisas do mundo são apresentadas através das curiosas criações do artista. Charles propõe a impossibilidade de se reter um lugar externo, tanto de se enraizar internamente. Ele discute a falência da sensação de conforto e estabilidade da vida; do sistema de relacionamentos reais e a crescente aldeia global de relacionamentos virtuais; desconstrói mitos e recria verdades.

Os artistas falam do não lugar daquela estranha – no entanto familiar – sensação de não se pertencer a lugar e tempo nenhum – do des-locamento do tempo e do espaço e da materialidade.

* por Roseli Hoffmann Schmitt, crítica de arte-ABCA/AICA

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Mais:

No blog do Solda: http://cartunistasolda.blogspot.com/2009/10/anote-na-agenda_20.html

No Jornal de Santa Catarina: http://www.clicrbs.com.br/jsc/sc/impressa/4,1124,2690959,13361

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